segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Ventania

Cenário antigo, as botas de couro de boi com saltos longos batem no assoalho de madeira, uma dose de Martine. Encostado a beira do balcão, olho pras mesas, todos estão acompanhados e sorrindo.
Peço mais uma dose de Martine observo através de um espelho que está a minha fronte os olhares, os beijos, os porres... Penso que sou um tanto desformica, porque as pessoas passam por mim como se eu fosse à poeira do assoalho, nem me notam. Mais uma Martine.
Adoraria beber o sangue quente de hipocrisia destas pessoas. Lá fora ouço os carros encostarem a todo tempo e a toda a hora, não param. Mais e mais pessoas chegam ao bar.
A bebida junto a fumaça do meu cigarro me embriaga, nada tem graça. As horas vão passando mais casais chegando como se o amor estivesse no ar. E sentia-me como naquele clima de faroeste, a qualquer momento alguém poderia puxar uma arma e brigar pela mocinha.
Que saco. Nem isso existe mais. Caminho pelo espaço e vejo a nojenta felicidade nos olhos das pessoas, tudo está rodando, as pessoas giram a minha volta, às vezes a música parece silenciar e as vozes também.
O barulho do ventilador de teto está me irritando, esta cidade fantasma me assombra, ela poderia sumir e eu estaria aqui sozinha como agora.
Voltei pro balcão e pedi mais uma dose. Alguém se aproxima de mim e coloca a mão no meu ombro, foi como se eu congela-se, paralisei, não conseguia respirar, tomei um gole da minha bebida e virei...
Paralisei, um homem de jaqueta preta, olhos verdes, cabelo liso, cavanhaque, me olhava. Pegou-me pela mão, me girou e começou a dançar com o rosto colado ao meu. Sorria, cantava ao meu ouvido, beijava meu ombro, me levava...
Saltitávamos por todo o espaço como se naquele momento só estivéssemos nós no salão. As pessoas olhavam para nós, cobiçavam nossos olhares. Sentia como se só existisse aquele momento.
Olhamo-nos fundo nos olhos, os corpos se separavam, fomos esquecendo os passos, as mãos se entrelaçaram, os olhos diziam milhares de coisas e os lábios se aproximando. A cada aproximação um frio no estomago, ele passou os dedos por entre meu cabelo e me beijou... Nesse instante uma ventania tomou conta do lugar, ele saiu voando como se fosse um anjo batendo suas asas negras, voava de forma tão sublime, os objetos pareciam flutuar com essa dança angelical como se o mundo flutuasse em uma só dança, ele batia as asas, o vento soprava em meu longo cabelo e refrescava minha nuca. Parecia sonho, meu longo vestido voava como se eu fosse bater asas, voar e ele lá me chamando... Abri minhas mãos, soltei a cauda do meu vestido e o boquê de flores voou.