quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

Saudade

Um lago, arvores verdes, esguias, altas, dançavam com o vento, folhas secas pelo chão, ventania, fim de tarde, por do sol, laranja, amarelo, vermelho, violeta, azul, marrom, branco, luz, clarão, o reflexo na água. Os olhos assustados, sondando e espreitando a imagem ali refletida, pele castigada, rugas, as mãos caminham para o toque da pele, realmente são franzidos, ausência de colágeno, olheiras, escuridão, cansaço, a raiz do cabelo embranquecendo, outrora era diferente, não sentia o estilhaçar de seus poros, nem o esticar de sua epiderme.
O ritmo, o pulso, seguimento, um uníssono, coração atrelado,cerrou os olhos e suspirou. 
Ouvia o som da chuva, as gotículas d'água, batendo na vidraça, a televisão, o ventilador de teto, as risadas, talheres, cheiro de rotina, do trivial, de sugo, latidos, ali deitado, direciona suas pernas ao encontro do assoalho, "tacos", leve sorriso, o som, um som, perturbador, desligar, silenciar a pertubação, radio relógio, a luz vermelha que pisca ao despertar das horas, um alarme de vida. 
" Devias vir para ver os meus olhos tristonhos...", Cartola, ouço as Rosas, hoje elas falam, falam como se o "Mundo inteiro me pudesse ouvir..." apenas um Tim. A sala, o radio, as cortinas a balançar com o vento, felicidade resumiria esses sons, esses cheiro, gostos, imagens, toques. Lágrimas, será que chorar envelhece?
Só uma lembrança, de volta as rugas, os cabelos brancos, as saudades, parece que não tenho mais nada vivo dentro de mim, o sol se pondo, minha face desconhecida, solidão, mas porque só consigo me lembrar disto, eu vivi ate aqui e não tenho mais nenhuma lembrança, amnésia. Minha imagem vai escurecendo, já desconheço essa nova imagem, não há um reflexo conhecido, o vento cessou, as arvores são pretas, o sol se foi, preto breu, escuridão, fecho os olhos, novamente o som uníssono. De olhos fechados, recosto minha cabeça no acolchoado de grama, sinto uma mão em meus ombros, uma pele macia, abro os olhos, um sorriso iluminado, me irradia, pego em suas mãos, lembrança,  agora sei que estou vivo. 

terça-feira, 21 de janeiro de 2014

Ponto Final

Chovia, fazia meses que não caia uma gotícula do céu, mas hoje caiu, choveu aos cântaros, minava água dos cantos, escorria por entre as bocas, vertia. Caminhava em chuva, cada vez mais encharcado, sapatos ensopados, cabelos minados, as meias coloriam com a tintura da barata calça jeans, azulavam, o dia virara noite. Os passos cada vez mais pesados de tanta água, os poros inchados, engordavam as vísceras, preenchiam as lacunas vazias, tornavam grotescos e pesados os movimentos. 
Mais gotículas, mais pingos, mais inchaço, continuava a caminhar as luzes dos carros ofuscavam a visão, mais poça, mais água, mais chuva, não parava de chover, não cessava a enxurrada. Um cigarro, abriu a caixa, posicionou nos lábios, primeira tentativa, segunda tentativa, terceira tentativa, as mãos minavam água, não conseguia riscar o esqueiro, estava molhado, tapou com as duas mãos, primeira tentativa, segunda, terceira, ascendeu. Um trago longo, fumaça, trago, fumaça, água, fogo, brasa, sentou-se no meio fio, observava o cigarro entre seus dedos umedecidos, jorrava água de seus pés, uma corredeira, novo trago, mãos trêmulas, fumaça, brasa, água, frio, silencio. 
Uma goteira, som de uma goteira, batia, ecoava, atraiu a atenção, incomodou, onde estaria essa goteira, reverberava em seus ouvidos, badalava, mais e mais pingos, queimadura entre os dedos, som de brase se apagando e goteira. Som intermitente, trêmulo, agudo, oco, gota, som, dentro de mim. Uma tempestade fora de mim, uma chuva brutal em meu externo e dentro um goteira, um pingo.