terça-feira, 5 de abril de 2011

Sexualidade

Perguntei a ele se havia beijado outra mulher antes, ele engoliu seco e sem pestanejar me respondeu
__  Sim.
Naquele momento tive a sensação de que todas as coisas da vida viriam a desmoronar como pedras em minha cabeça. Será que o passível da adolescência começara?
Olhei ao meu redor em quanto ele falava, sem ouvir se quer uma palavra. Observava os andantes, passantes a minha volta, me perguntava se houvera na vida deles tal constrangimento.
__  Ei, você está me ouvindo?
Sim, sim continue. Havia uma menina parada no ponto de ônibus, conversando com um rapaz, rindo trocando olhares, tocando em seu tórax, se posando com a sexualidade aflorada, talvez naquele momento o garoto que estava ali de fronte a ela, deixaria de ter a parte flácida do corpo em parte rígida, brutal e voraz que ele jamais havia sentido.
__ Adoro olhar as pessoas? Sabia?
Não. Não sabia.
A mulher ao lado daquele casal parecia que já tinha filhos e era casada. Tinha uma cara seria amarrada, parecia carregar nos ombros o peso de todo o mundo, parecia ser responsável, usada uma tailleur preto, com uma blusa de botões até o pescoço, uma pasta na mão direita.
Olhava incansavelmente a tudo e a todos que estavam por ali, e ele continuará a falar algo que nem mesmo ele sabia o que era.
___ Você quer mudar de lugar?
Não.
Tornará-me uma pessoa monossilábica, sim, não, talvez, ele era bonito, tinha olhos amendoados, pele morena, rosto masculino com uma leve reta em seu queixo, lábios carnudos, pele macia, mãos carinhosas, cabelos castanhos, um estilo alternativo.
Sabia impressionar uma garota e eu cheia de crises, por que havia dado o primeiro beijo com ele! Será que um dia dois desconhecidos do despertar da sexualidade se beijaram?
__ Você já reparou nessa fonte?
Sim.
Era uma fonte imensa, parecia uma obra de arte, esculturas caucásias antigas, na fonte havia uma mulher e um homem nus, parecia que estavam ali rindo e se divertindo com o triste caminhar da humanidade.
__ Eles estão nus, você viu?
Claro.
Naquele momento percebi que poderia, mostrar a ele que era uma pessoa interessante, talvez excêntrica, não sei. Pedi que ele ficasse em silencio e me observasse.
Tirei meu tênis, dobrei a barra de minha calça, me adentrei na fonte, olhei firmemente nos olhos da estatua e matei minha sede, bebi a água que jorrava de seus lábios, percebi que um bocado de entusiasmo me rodara, intensamente tomei cada gole que escorria de seus lábios.
Olhei para o lado todos estavam a minha volta, observando o que eu estava fazendo. Com timidez, baixei a cabeça, sai da fonte, olhei para os olhos amendoados dele e disse; Eu também já beijei uma mulher.


(Baseado no conto de Clarice Lispector - O Primeiro Beijo)


Cárcere

Hoje acordei com a sensação de que durante a noite havia sido mutilada. Apedrejada e que algo, ou alguma coisa estava remotamente presa.
Meus pés estavam estranhos, modificados, parecia ter ocorrido uma troca de pele. Não sei ao certo, mas, meu corpo reagiu de uma forma estranha, incoerente ao que era antes.
Olhei ao meu redor e tudo parecia diferente, estranho, escuro, sombrio, penumbra amarelada, a sensação que eu tinha era de ter voltado no tempo, onde os televisores nem possuíam controles remoto, nem ao menos cores, os personagens eram, verdes, amarelos ou vermelhos.
Época totalmente remota que nem eu vivi, parecia tudo envelhecido, outra vida.
Percorri os cômodos como se outrora nunca havia feito, mal conheci a mobília, as roupas também amarelada.
Os animais eram esquisitos, sombrios parecia que havia alguma cólera, rondando o ambiente. O céu numa massa de ar rocheado, parecia que as nuvens queriam dizer algo, não sei parecia que a qualquer momento elas iriam berrar...
Sentei na beira de minha cama, perplexa, observava e não definia o que ocorria.
A janela era um vitrô pequeno com vidros empoeirados, mal dava pra ver a claridade que adentrava.
A parede era de cor escura, monótona, parecia estar em um matadouro, ou algo como uma casa de quinbanda, o chão era vermelho e parecia ter restos de velas, toco de parafina derretido.
Sentia um frio na alma, "eu" não existia, parecia estar em um baile de carnaval mascarada.
Levantei-me caminhei até o banheiro, lavei minhas mãos pra ver se extermina o resquício estranho que havia em meu corpo, com um cheiro empoeirado. Levantei minha cabeça e olhei para o espelho.
Minha imagem era projetada atrás de mim, havia outra pessoa, "eu" atrás de "eu"? Olhei rapidamente para trás e nada, não vi nada. Olhei novamente no espelho e "eu" sendo projetada, havia um envoltório de ferro me cercando, parecia grades, "eu" presa em "eu" mesma?